UMA VIAGEM DIFERENTE PARA A COP28.

BetoBina
4 min readDec 19, 2023

E algumas sugestões para criarmos a nossa própria visão de futuro.

Minha experiência na COP foi um tanto inusitada. Fui convidado para um painel do Global Citizen Fórum, na cidade de Ras Al Khaimah, ao norte de Dubai, onde me hospedaram em um hotel muito luxuoso.

Pessoas levavam minha bagagem, abriam a porta e ajustavam a cadeira para que eu sentasse. Era um excesso de serviço apreciado pelos hóspedes e participantes do evento, composto por extravagantes europeus de mocassim e influenciadoras russas.

Eu estava em um painel sobre inovação na moda, onde abordei o tema de agroecologia, agrofloresta e da importância de integrar agricultura familiar e comunidades tradicionais nas cadeias produtivas.

Como eu estava me sentindo um peixe fora d’água e no meio do deserto, fiquei mais à vontade em fazer networking com os funcionários do hotel. Minha abordagem era chegar falando que sou brasileiro, pois eles relaxavam e começavam a contar a sua história.

O abismo social.

Eram pessoas de países distintos como Índia, Filipinas, Uganda e Uzbequistão. Mas com o desejo comum de oferecer uma vida melhor para suas famílias, que ficaram no país de origem, já que os Emirados Árabes Unidos (EAU) não fornecem visto para familiares.

Ninguém dizia gostar de estar ali, eles não se sentem em casa, já que a casa é onde a família está. São pessoas corajosas, de comunidades vulnerabilizadas e que compõem 85% da classe trabalhadora do país.

Dubai e Abu Dhabi, capital dos EAU, foram erguidas com o sangue e suor dessas pessoas que, mesmo em meio a denúncias de exploração e ativistas presos, são invisibilizadas. Praticamente não existe movimento social nos EAU, mesmo que a sua constituição fale em direito de expressão e formação de associação.

Já os “emirati”, como são chamados os locais, representam 15% da população. Vestidos com roupas tradicionais, estão sempre impecáveis, maquiados e com a barba delineada em salões de beleza masculinos.

Ocupam cargos governamentais ou de empresas públicas, como o presidente da COP28, Al Jaber, que lidera a maior empresa de petróleo do país, com meta de ser a segunda maior do mundo em 2030.

O absurdo desse enorme conflito de interesse já foi bem debatido, mas ser o maior produtor de petróleo do mundo está ligado a outra característica.

O arquétipo masculino.

Em alguns momentos conhecendo Dubai, eu imaginava a personalidade de alguém carente, que sofreu bullying durante a infância, originando pontos de fixação em querer mostrar poder.

O símbolo da cidade é o Burj Khalifa, o prédio mais alto do mundo, um grande objeto fálico envolvo em chafarizes que ornamentam as fotos do instagram.

As ilhas são outra demonstração emirati, insatisfeitos com o tamanho da sua costa, eles se perguntaram como poderiam aumentar em 10 vezes o número de praias.

Outra pretensão bem masculina é a de controlar o ecossistema, desde inserir pássaros exóticos até literalmente fazer chover. Porém, como a cidade não é adaptada para chuva, regiões vulneráveis sofrem com alagamentos e danos.

Por último, mas emblemático, tentaram fazer a maior roda gigante do mundo, o objeto é tão grande e pesado que ele não funciona, erro que nunca foi assumido e a história segue abafada.

Racionalidade e estratégia.

No pavilhão dos EAU da COP, tem uma frase dita pela realeza em 2015: “In fifty years’ time, we will celebrate the last barrel of oil… If we are investing today in the right sectors, I can tell you, we will celebrate at that moment”.

(Tradução: “Daqui a cinquenta anos celebraremos o último barril de petróleo… Se investirmos hoje nos setores certos, posso garantir que celebraremos neste momento”)

O país tem uma estratégia de criar um novo setor econômico a cada três anos e, de fato, o turismo, construção e serviços financeiros tem aumentando sua participação, mas o petróleo ainda lidera o PIB e eles continuarão tomando desse leite.

Para isso, investem em tecnologia, como Carbon Capture and Storage (CCS), e a narrativa do “unabated fossil fuels”. Ou seja, cenário onde estaria tudo bem extrair petróleo desde que capturem as emissões.

Mas é inegável que os EAU fizeram algo inacreditável. Dubai é mais limpa, organizada, segura e com incorporações mais incríveis que muitas das grandes cidades americanas.

Tudo isso com convicção estratégica, definindo uma visão de longo prazo e executando com determinação, sem pena de quem estiver na frente.

O que podemos aprender.

O Brasil às vezes parece o oposto, a cada quatro anos nós mudamos nossa visão de futuro. Temos vergonha do passado, destruímos o que foi construído e focamos em discussões retóricas.

E, mesmo em um ano de mandato, ao se juntar à OPEC+, avançar com leilões de petróleo e o marco temporal, temos a capacidade de fragilizar uma possível estratégia de protagonismo na solução da emergência climática.

O foco da nossa luta não deveria ser investir e nem acabar com os combustíveis fósseis. Mesmo que a produção de petróleo brasileira tenha ultrapassado a dos EAU em setembro deste ano.

O ativismo e a denúncia é importante, mas sugiro usar os emiratis de inspiração e fortalecer a nossa estratégia e evolução de outros setores econômicos, como as Soluções Baseadas na Natureza (SbN), trazendo investimento e exportando soluções.

Sugestão de visão de futuro.

Nós temos o maior diferencial e tecnologia do mundo, a floresta, que traz consigo os valores que o mundo precisa, inspirados no feminino.

A COP30 brasileira deve dar protagonismo a movimentos sociais e comunidades tradicionais. Elevar os conceitos de interrelacionalidade, colaboração, cuidado e carinho. Um futuro feminino.

Com uma narrativa focada em justiça climática, enfatizando que a raiz do problema ambiental não é solucionada apenas com tecnologia, mas com igualdade e desenvolvimento social.

Devemos ostentar nossa natureza, com capacidade de viabilizar projetos de significado, empoderando as pessoas e sem deixar ninguém de fora.

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