Consciência como Produto.

BetoBina
5 min readMay 28, 2020

Sonhei que estava escrevendo esse texto, ele era mais ou menos assim…

(English version here)

Imagine uma tela de pintura com números, cada tela com um tom de cinza. E, dando um passo para trás, entende que o artista pintou uma tela por dia durante a sua carreira artística inteira, listando do 0 ao infinito, cada dia ele começava a partir do último número do dia anterior, até chegar ao fim da tela. Cada dia ele adicionava 1% de branco na tinta preta do fundo. O preto ficando cinza, ou cinza ficando branco… até a sua morte, até o infinito.

Roman Opalka foi um artista dos anos 60-70 e parte de um movimento chamado Conceptual Art, onde a ideia (conceito) por trás do trabalho era mais importante que o objeto de arte em sí. Duchamp, Yayoi, Beuys e Cildo Meireles também fazem parte do mesmo movimento — mesmo que enquadrar um artista não seja uma boa ideia — podemos dizer que o processo estava dando significado para a obra de arte.

Eles chocaram o mundo da arte com um grande contraste ao Formalism do início do século 20. Formalismo era sobre elementos básicos: cor, linha, composição e textura. Compartilhando de valores com a Bauhaus, a obra abstrata ou realista tinha mais valor se conseguisse criar um equilíbrio visual de elementos.

Jasper Jones e Jackson Pollock: equilíbrio visual

Muitas coisas aconteceram no mundo para criar esse contraste entre Formalism e Conceptualism. Nos anos 60-70 tivemos uma crescente de mídia e liberdade. Movimentos cívicos e LGBT, biquinis e afro hair style. Tecnologia evoluiu, TV se tornava popular, assim como a mídia de massa, “15min de fama” e celebridades.

O consumo explodiu. Especialmente influenciado pelos EUA que criava tendência, heróis e heroínas. Estávamos consumindo conceitos e projeções. A ideia por trás era tão importante quanto o produto em sí.

Mas, claro, não estávamos comprando o mictório de Duchamp. Como nas passarelas de moda, precisamos de expressões radicais para acordar e criar uma nova forma de equilíbrio. Os tênis, roupas, tecnologias que estávamos comprando tinham uma ideia por trás, mas sem negar o formalismo e a utilidade. Um Venn Diagram veio ao sonho:

Meu sonho acabou por aqui. Mas me agarrei à serendipidade e continuei…

Acelerando para o presente. Você vê uma escultura, ela lembra uma fumaça sólida. Você já tinha visto melanina?

Um grupo de cientistas, liderado por Neri Oxman, usou melanina para ilustrar biodiversidade em sua forma e beleza, e mostrar que o nosso planeta Terra está em risco, com crescente dados de extinção. A exposição que está no MoMa, Material Ecology, também apresenta todo o seu conteúdo usando uma tinta a base de açafrão e beterraba que muda com o tempo, assim como as interrelações da natureza.

O trabalho do MIT Mediated Matter tem beleza e função, assim como uma ideia por trás, um processo que vira conceito. De fato, Formalism e Conceptualism se tornaram onipresentes e fracionados em várias expressões. E essas frações não são desassociadas, mas inter-relacionadas.

Outros artistas contemporâneos como AiWeiWei, Marina Abramović, Olafur Eliasson e Banksy também formam uma composição de inter-relações de valores: Mudança climática. Beleza e estética. Igualdade de gênero e racial. Filosofia e ética. Pop, mídia e moda. Biomimética e Inteligência Artificial. Morte e Vida.

Um alimentando o outro. Expressões que transitam e movem-se em interpretações de tempo e espaço. Uma arte que nos acorda com consciência. Enquadrar esses artistas ainda não é uma boa ideia, mas entendo que não existe mais um Venn Diagram, mas um ciclo.

Neri Oxman’s Krebs Cycle of Creativity

E sobre o consumo de hoje?

Ainda estamos consumindo funcionalidade e beleza, com certeza. E também ideias. De fato, a maioria das coisas que consumimos tem os mesmos valores de décadas atrás. Lógico, tecnologia evoluiu, mas ainda é sobre as roupas e tênis de celebridades, o último lançamento de tecnologia, ou aquela música de apenas três acordes com refrão repetitivo. Ainda estamos consumindo como crianças dos 90s, mas com dinheiro de adulto, e-commerce e delivery.

A pandemia da 2020 está ajudando a acelerar o que hoje ainda é nicho em termos de consumo, um Consumo Consciente. Aquele que leva em consideração as inter-relação do “Ato de Compra”:

De onde vem o produto? Como ele é feito? Para onde ele vai quando for descartado? Causa algum impacto nas pessoas ou no planeta? Quem está recebendo o meu dinheiro quando compro? E como essa empresa irá utilizá-lo? Em quem estou investindo? Em quem estou votando no meu “Ato de compra”?

Consciência precisa evoluir de expressão artística para cultura mainstream. Precisa ser Funcional, Bonito e ter uma Consciência para se tornar um bom produto. Esse ainda é meu sonho.

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